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O homem que não fazia duas vezes o mesmo caminho - Tapete voador
Conta-nos uma história tradicional do Congo Belga que havia um rei que tinha uma filha de extraordinária beleza chamada Arondo. O Rei sempre dizia: “Pouco me importa que um homem me ofereça escravos, riquezas ou marfim para casar-se com minha filha. Não a levará. Eu quero para genro um homem que se comprometa a cair enfermo se ela adoecer e a morrer se ela morrer”. Como eram de todos conhecidas as condições do pai, ninguém se apresentava para pedir a filha em casamento.
Porém, um dia chegou um homem chamado Akenda-Mbani – “aquele que nunca vai duas vezes ao mesmo lugar” – e disse ao Rei: – “Quero casar-me com sua filha. Comprometo-me a cair enfermo se Arondo adoecer e a morrer se ela morrer”. E assim, Akenda-Mbani se casou com Arondo e dizem que nunca se viu casal tão feliz.
Akenda-Mbani era um dos maiores caçadores de seu tempo. Tanto que, logo após a lua-de-mel, saiu para caçar e matou dois javalis. Quando retornou disse ao rei: – “Matei dois javalis e aqui vos trago um.” O Rei, seu sogro, respondeu: – “Volte e recolha também o outro.” Mas Akenda-Mbani respondeu: – “Meu pai me transmitiu com seu nome a proibição de ir duas vezes ao mesmo lugar. Devo respeito eterno a esta tradição. Lá não posso voltar”. E assim aconteceu muitas outras vezes.
Um belo dia, o casal foi às compras na margem do rio. Eram mercadores orungus que pertenciam a uma tribo do Gabão. Além de excelentes negociantes, eram também afeitos às artes e à magia. Akenda-Mbani e Arondo voltaram para casa com uma caixa cheia de mercadorias. Lá dentro, encontraram um belíssimo tecido, que exalava um estranho perfume. – “Meu querido marido” – disse Arondo – “corte para mim mais ou menos três metros desse tecido. Gostei muito dele.” Dizendo isso, sentou-se em sua cama e recostou-se. Akenda-Mbani, sentado num tamborete, cortava calmamente o tecido.
De repente, Arondo gritou: – “Meu querido marido, sinto uma forte dor de cabeça! Acho que estou morrendo!” Ele atou um pano com unguento em torno da cabeça da mulher e outro na sua própria cabeça. Arondo começou a gritar que sua dor de cabeça piorava. E as pessoas, ouvindo os gritos, se reuniram em torno dela.
O Rei acudiu e disse: – “Não grites, minha filha, não morrerás!” – “Porque me dizes que não morrerei, meu pai? Sinto tanto medo!” - “Se temes a morte, podes estar certa de que ela virá”, respondeu o rei. Apenas o Rei havia acabado de pronunciar essas palavras, Arondo morreu.
Todo o povo lamentou, e o som da batida lenta dos tambores ressoou em sinal de luto. Então, o Rei disse: – “Agora que minha filha está morta, é preciso que Akenda-Mbani morra também!” Dito isto, Akenda-Mbani cerrou os olhos solenemente e prostrou-se ao lado de sua mulher, diante dos olhares estupefatos e respeitosos de todos os presentes.
Como era costume naquele lugar, os habitantes foram cavar a sepultura para os dois corpos, que deveriam ser enterrados juntos. Então o povo disse: “Cubramos tudo isso com terra e façamos em cima um pequeno monte”! Mas Agambuai, o adivinho do povoado, disse ao Rei: – “Cuidado! Por aqui há leopardos!” – “Não façam nenhum montículo – gritou o Rei – pois os leopardos poderiam vir, escavar a terra e comer o corpo de minha filha.” Ao que o povo respondeu, a uma só voz: – “Cavemos uma sepultura mais profunda!” E assim fizeram.
Retiraram da sepultura Arondo e seu marido e os colocaram sobre dois mantos, enquanto aprofundavam a cova. Em seguida, colocaram dentro Arondo. Porém, quando vieram até Akenda-Mbani para levá-lo de novo à sepultura, este reviveu e lhes disse: – “Eu não vou duas vezes ao mesmo lugar. Por que me puseram na sepultura e de lá me tiraram? Se todos sabem que eu não volto nunca a um lugar em que já tenha estado!”
É por isso que até hoje, por todo o Congo, dizem que se você já esteve no buraco uma vez, para lá não deve voltar jamais!
Esse é mais um ensinamento que nos legou a tradição oral africana. Muito bem vindo em tempos de Copa do Mundo, eleições, excessivo consumo e outras escolhas que a vida nos apresenta a cada momento.
(por Rosana Mont’Alverne - Fundadora do Instituto Cultural Aletria)